Category Archives: Jornalismo

iPortante ler

Sobre o jornalismo uau, mais um texto recomendável, com uma dica para um apanhado sobre tudo o que um iPhone não tem (mas a imprensa não sabe).

E que tal (um pouco de) jornalismo sobre o iPhone?

Onde é que acaba o jornalismo e começa a propaganda? Dou comigo a folhear os jornais dos últimos dias, mas em especial os de hoje, e a pensar nesta pergunta por causa da ampla cobertura que é dada ao lançamento do iPhone da Apple em Portugal (e mais 21 países). A maior parte das peças que li são reportagens sobre o movimento registado nas lojas que puseram o dito gadget à venda. Mas também se encontram crónicas-a-meio-caminho-do-tipo-confissão-pessoal (vejam-se os artigos de Isabel Coutinho e Paulo Moura no caderno P2 do PÚBLICO). Ou vídeos acerca do lançamento (aqui, no JN), ou sobre o humor que se faz com o gadget do momento.

Em todas essas peças (no DN e também na versão impressa do Correio da Manhã, que dedica 3+1 páginas ao assunto, sendo a página +1 reservada a um texto que tem como título algo como “Famosos loucos com o iPhone” – uma no cravo e outra na ferradura, porque este texto do CM dá-nos ao menos um importante enquadramento do negócio), domina a vox populi, contando peripécias e opiniões sobre o “telemóvel perfeito” (Paulo Moura dixit, in PÚBLICO), um “desses raros e felizes momentos” que é o iPhone (Paulo Moura, novamente).

Jornalismo Uau!

Com uma ou outra excepção, sou levado a concordar com a quantidade de atenção mediática que o assunto está a merecer. Mas, depois de passar os olhos pelos jornais, questiono-me: onde é que acaba o jornalismo e começa a propaganda? O que é que distingue este trabalho, sem ponta de espírito crítico, da publicidade gratuita a um produto da moda? Será que a invenção da Apple, ao preço de cem contos, na moeda antiga, merece apenas o “Whow” (ou Uau!) das redacções? Agora comparem, por exemplo, os vídeos a que fiz referência acima, com este do New York Times (para o qual já fiz link aqui em Janeiro de 2007), que demonstra bem a apetência do jornalismo para o “whow” , mas que não deixa de salientar que “a função telemóvel do iPhone é bem capaz de ser o menos interessante ou importante”.

A questão que aqui se levanta vale para outros momentos do nosso jornalismo, e para outros “produtos” das nossas vidas. O que, hoje em dia, se encontra escrito e dito nos media a propósito de um disco, dum livro, dum filme resume-se (mais do que seria desejável) a confundir-nos e não a informar-nos. São textos que transpiram o desejo de envolver o leitor-consumidor na “onda whow”, a anos-luz do que exigiria a missão do jornalista.

Revisitar Casablanca

Uns dias antes do início do Euro 2008, David Trueba e Gonzalo Suárez, dois cineastas espanhóis e dedicados amantes do futebol, deram uma curiosa entrevista conjunta. O tema era o futebol, mas parte dela merece ser recordada nesta altura. Dizia Trueba (n. 1969) que “os meios de comunicação acabaram com a poesia”.

“Quando era pequeno, lia o que se escrevia sobre o cinema para ser meljor espectador, para encontrar nos filmes coisas que não soube encontrar. Como hoje vivemos na época de dourar a pílula ao consumidor, o que se escreve sobre as coisas tem como objectivo criar piores espectadores”, afirmou Trueba. “Fazem-te acreditar que o que estás a ver é bom e, bem…. perdeu-se o sentido crítico e a ideia de tornar melhor quem olha para as coisas”. E Gonzalo Suárez (n. 1934) logo acrescentou: “O problema é a inflação, o exagero. A partida [de futebol] do século joga-se a cada semana. E o melhor romance da década sai a cada dois meses”.

Nessa coisa não jornalística que é o blogue, continua a fazer-se muito do trabalho que deveria ser feito nos media tradicionais. E o que não é novidade para ninguém, quem quiser ler algo com sentido crítico sobre o iPhone, ou escolhe bem o jornal que lê ou então já sabe que deve revisitar Humphrey Bogart: “We’ll always have the blogosphere”.

Controlinveste, 3 – Benfica, 1

Uma das notícias do dia (será mesmo notícia?) é a de que a Fifa mandou retirar seis pontos ao SL Benfica por causa de uma dívida do clube da Luz ao América FC, relativa à venda do jogador Alcides.

Espantosa coincidência: a notícia é manchete em três jornais, DN, JN, e O Jogo, nas respectivas versões impressas. Publicações que têm todos o mesmo dono, Joaquim Oliveira, da Controlinveste. Será mesmo coincidência? Efeito da concentração? Ou estratégia “insidiosa”, como diz o Benfica no comunicado enviado à CMVM?

PS: Nos outros jornais do dia, incluindo o PÚBLICO, não há referência alguma à história, com excepção do (benfiquista?) Correio da Manhã, que, na última página da versão impressa, resume a história numa breve de “última hora” onde cita uma “fonte do clube da Luz” e onde dá conta que a FIFA “anulou a sanção” que havia aplicado às “águias”. A trabalhar há um mês na secção de desporto, fico cada vez mais com dúvidas sobre muito do “jornalismo” desportivo que por aí se pratica. E é cada vez mais claro o poder das fontes e dos interesses que passam ao lado de qualquer escrutínio jornalístico

A propósito do novo site do JN

Primeiras impressões sobre uma mudança aguardada. O Jornal de Notícias lançou o novo site. Globalmente, nota positiva (mas pior era difícil, só mesmo fazendo igual ao actual DN). Noutra perspectiva, diria que quem dirigiu esta mudança jogou para ficar ao nível da concorrência. O mesmo é dizer que mudaram para ficar igual aos outros. Visto por esse prisma, diria que a inovação e a imaginação ficaram de fora. Meteu-se o vídeo, que não tinham – contando aqui com a preciosa ajuda da “sinergia de grupo” via SportTV para oferecer o futebol, tal como ja faz O Jogo – abriu-se espaço à infografia (ausente no modelo anterior) e mudou-se radicalmente a organização do noticiário.

A nova homepage fica com clara vocação para funcionar numa lógica semelhante a de uma “primeira página” de jornal impresso, o que é positivo (não me ocorre melhor exemplo que este, aqui tão perto, e muito premiado) quer para quem lê quer para quem tem de “vender” as suas histórias. No entanto, nota negativa para a utilização de letras coloridas para destacar as áreas do site. Uma solução pobre, que fica a léguas do que é user friendly – por mais que se queira, ler num ecrã de computador não é o mesmo que ler em papel.

Nem todas as notícias parecem ter espaço para comentários dos leitores. É uma decisão discutível, mas não há nada mais desolador que ver uma carrada de textos com zero comentários e o “novo” JN ainda corre esse risco. Mas esta é a lógica de quem trabalha numa redacção e nem sequer é consensual. Percebe-se que é uma opção desagradável para os leitores, porque reduz, a priori, o espaço de participação, condicionando desse modo a interactividade.

Quanto a notícias, o que vi foi o noticiário da edição impressa. Será preciso esperar para ver se é esse modelo de site que o JN quer ou se, pelo contrário, a aposta no online é mesmo a sério e também passa pelas breaking news. Ou seja, se vai haver actualização, o que pressupõe a existência de uma equipa, que trabalhe. Caso contrário, terão apenas arranjado um embrulho diferente. O que para uma mudança em 2008 do primeiro jornal português a colocar a sua edição imprensa na rede (foi em 1995), convenhamos, seria (muito) pouco.

Uma palavra final para o contexto de mudança nos principais órgãos da Controlinveste. Depois do novo site da TSF (lançado sem as devidas precauções como se dá conta aqui)  e deste do JN, falta apenas “tratar” do Diário de Notícias. É estranho que a mudança tenha começado por aqueles que menos precisavam, mas deseja-se que a espera valha a pena.

Jornalismo desportivo, um prémio e um exemplo a seguir (às vezes)

CNID LogotipoO CNID – Associação dos Jornalistas de Desporto decidiu atribuir o Prémio CNID 2008 na categoria rádio à equipa de desporto da Rádio Santiago. Uma emissora local que integra o Grupo Santiago, da qual já aqui falei, na altura em tom crítico. Desta vez (e porque é preciso ser justo), será em tom de elogio.

Como se trata de uma emissora local, nem todos perceberão o alcance e as razões deste prémio. A equipa de desporto da Rádio Santiago lutou (como poucos dos seus colegas o fazem) pela liberdade de expressão e pelo direito à informação quando sentou o antigo presidente do Vitória de Guimarães, Pimenta Machado, no banco dos réus. Levou à Justiça as atitudes discricionárias de Pimenta Machado, que proibia sistematicamente aqueles profissionais de fazerem o seu trabalho, só porque entendeia que o jornalismo feito por aquela casa lhe era adverso.

Convém lembrar a discriminação a que foram sujeitos quando esse antigo dirigente os obrigou, meses a fio, a relatar jogos do Vitória de Guimarães nas bancadas, fizesse chuva ou sol, impedindo-os de trabalharem, como todos os outros, nos lugares de imprensa. Foram perseguidos, achincalhados, negaram-lhes as condições mínimas de trabalho, mas não se calaram nem se deixaram ficar.

É uma rádio perfeita? Com certeza que não. Fazem bom jornalismo? Nem sempre. São parciais (nos relatos, nas peças que escrevem para o jornal Desportivo de Guimarães), bairristas, sofrem de clubite, são vitorianos assumidos. São “culpados” dos mesmos erros da “grande” imprensa nacional desportiva, das rádios nacionais. Mas batalharam contra o quero-posso-e-mando de um homem do futebol que foi (e é) apenas um caso entre muitos da bola lusa. Lutaram, e venceram. Defenderam o ganha-pão de todos os jornalistas, o direito à informação. Algo que muitos jornalistas e órgãos de comunicação de grande difusão metem no bolso por dá cá aquela palha. Como disse, o desporto da Rádio Santiago não é perfeito. Mas a distinção do CNID é justa e merecida, e o (bom) exemplo deveria ser seguido.

Aviso aos leitores: Ando ocupado com a redacção de uma tese de mestrado ‘à Bolonha‘, tarefa que me tem deixado pouca disponibilidade mental para actualizar o blogue. Suspeito que o mês de Maio irá pelo mesmo caminho, até que a tese esteja pronta.  

Verbaliza a sua insatisfação/satisfação através de críticas destrutivas potenciadoras de instabilidade no seio dos seus pares? (II)

cg05032008.jpgUma conversa que tive esta semana com o Samuel foi parar hoje a um post do Colina Sagrada, onde o Samuel resume (e bem) as nossas preocupações face à primeira página da edição desta semana do jornal O Comércio de Guimarães (excerto, aqui ao lado). Na edição posta à venda na última quarta-feira a manchete é “Comportamentos suicidas dispararam em Guimarães”. No antetítulo diz-se que o “director de Psiquiaria do hospital fala de pandemia social”. Se o Estado cobrasse imposto por alarmismo social aos jornais, esta primeira página seria o maior contribuinte.

O Comércio de Guimarães integra o maior grupo de comunicação social de Guimarães e um dos mais sólidos de toda a região. O grupo é responsável por aquele jornal, pelo Desportivo de Guimarães e pela emissora local Rádio Santiago. Tudo projectos que são líderes de audiências ou de vendas, nos seus respectivos segmentos de mercado. Tal peso confere-lhe estatuto, reconhecimento público, notoriedade social e responsabilidade.

Se há temas sensíveis para o jornalismo, o suicídio é um deles. É certo que há jornais que se pelam por uma boa história desse género, mas esses jornais são, sem sombra de dúvida, a minoria (onde se inclui o Comércio?). Diz a minha experiência que a norma perante histórias de suicídio é refrear os ânimos das redacções, por uma série de razões que ocupariam aqui muito espaço. Mas no caso, em concreto, o jornal não fala de um suicídio. Fala de uma “pandemia” de suicídios. Suicídio contagiante, que se transmite entre espécies diferentes, estão a ver?

Lê-se a notícia (versão online, mais curta) e o que se conclui? Esticaram (ou alguém esticou por eles) a realidade, misturaram uma série de incongruências e incompetências (muito bem apontadas no Colina Sagrada) e com isso esvaziaram a manchete, o título, a notícia. “Não deixes que a realidade te impeça uma boa história” é o lema dessa ganância informativa que, por vezes, leva o ofício do jornalismo longe demais (ou será que nem jornalismo chega a ser?).

Post scriptum: E na sequência desta não-notícia, o que fez o PCP? Levou o assunto à reunião de câmara (diz o Samuel que foi por excesso de marxismo; a mim, parece-me difícil acusarem com razão o PCP de Guimarães de ser, hoje em dia, marxista).

E o prémio de jornalismo vai para… um blogger

Joshua Marshall, fundador do reputado blogue político Talking Points Memo (TPM) e do mais indefinível TPM Muckraker, é o primeiro blogger a figurar na lista dos prémios de jornalismo Polk Award. O galardão é atribuído desde 1949 ao melhor jornalismo de investigação publicado nos Estados Unidos e a lista dos trabalhos vencedores de 2007 é longa. Marshall venceu na categoria de jornalismo judiciário, pela série de trabalhos de investigação que publicou (com Paul Kiel e Justin Rood) sobre as pressões políticas da Administração Bush que tinham como alvo diversos procuradores. Um caso que acabou com amplo destaque nos media tradicionais e que conduziu à saída do Attorney General (Procurador-Geral), Alberto Gonzalez, em Setembro de 2007. (sugestão recolhida no Cyberjournalist)

Duas notas:

  1. Muckraker é o nome que se dá nos Estados Unidos ao jornalismo que começou por desenvolver-se no final do século XIX e inícios do século XX e que investiga o crime, a corrupção, o abuso. Joseph Pulitzer (1847-1911), patrono dos prémios de jornalismo mais cobiçados hoje em dia, foi um dos primeiros jornalistas muckraker.
  2. Por cá, no século XXI, leva-se a tribunal qualquer blogger que ponha em causa a educação dum político, e tenta-se lançar a lama para cima dos jornalistas que publicam jornalismo de investigação em jornais. Nessa contraditória América, que ainda aplica a pena de morte, até se premeiam os bloggers como jornalistas de investigação quando estes, através dos trabalhos nos blogues, repõem a verdade pública.

Um dos jornais com melhor grafismo em todo o mundo é português

E chama-se Expresso. Ao lado do inglês ‘The Guardian’, do alemão ‘Frankfurter Allgemeine Sonntagszeitung’ e do semanário russo ‘Akzia’, o semanário da Impresa acaba de receber o prémio “World’s Best-Designed Newspaper”, atribuído pela Society for News Design (SND). Mais aqui.

Calaram o Wikileaks

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Nos últimos tempos, o Wikileaks era uma espécie de baú das verdades. O mais certo era que qualquer investigação jornalística envolvendo figuras poderosas da política ou da economia, ou relacionadas com temas de Estado ou militares, acabasse por ir parar ao sítio do Wikileaks na Internet. Na última sexta-feira, dia 15, esse valioso cofre – que se tornou famoso por publicar documentos privados ou classificados “em nome da transparência pública” –  foi encerrado. Ou melhor, suspenso. 

A ordem veio de um juiz da costa oeste dos Estados Unidos, na Califórnia, que aprecia a queixa apresentada por um banco suíço por causa da publicação no Wikileaks de documentos comprovam a vulnerabilidade de paraísos fiscais como as Ilhas Caimão para indetectáveis manobras de lavagem de dinheiro. Foi com o Wikileaks que o mundo ficou a conhecer melhor Guantánamo ou que a lavagem de dinheiro do antigo presidente do Quénia, Daniel Arap Moi, chegou à primeira página do diário inglês Guardian, em Setembro de 2007.

Apesar da suspensão judicial, o acesso ao Wikileaks continua disponível (quer directamente pelo IP, quer pelo wikileaks.be). A organização diz que vai continuar as suas actividades e que vai dedicar ainda mais atenção ao caso que conduziu à sua proibição. Na segunda-feira, dia 18,  ou seja três dias após a ordem judicial, a equipa emitiu um comunicado, com a sua versão dos factos. No comunicado, a equipa acrescenta ainda que vai defender-se desta “censura”. “É uma decisão inconstitucional”, tomada por “um juiz nomeado por Bush” e “sem ouvir a defesa”, afirmam. Foto: Augusto Peixoto, retirada daqui.

O que eu quero ver no meu jornal online amanhã de manhã (ou a qualquer hora)

A premissa do título é uma invenção. O meu jornal online é um prejuízo, logo, o meu jornal é uma ficção. Logo para começar, teria uma redacção galáctica. Só para pagar àquela gente não chegariam as receitas actuais do Correio da Manhã e do JN, mais os prejuízos do DN e do Público e ainda a lábia do director do Sol, fora as prebendas do Expresso. Quantidade e qualidade em partes iguais para alimentar a fé de que estamos a dar aos leitores o melhor acesso à informação mais importante e às ideias que circulam, com a responsabilidade de liberdade que uma ética do jornalismo (ainda) exige. Reparem: melhor, importante, livre – luxos para a imprensa moderna. Luxos caros.

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